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Read Ebook: O Marquez de Pombal (folheto para poucos) by Cordeiro Manoel Caldas

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Ebook has 68 lines and 7369 words, and 2 pages

a Manoel Alvares Ferreira, o criado, cujos tiros entraram pelo bra?o do rei. Morria queimado. Fizeram os preparativos para a fogueira diante do infeliz que, quasi desmaiado, assistia ?s minudencias da tortura. Lan?aram-lhe finalmente o fogo, ao passo que queimavam os cadaveres das outras victimas. O vento soprava as chammas e avermelhava o corpo em braza do desgra?ado que gritava, torcia, blasphemava, apesar das consola??es dos dois frades.

Reflex?es sobre estes supplicios:

O rei, convencido pelo marquez de Pombal da culpabilidade dos infelizes, n?o os deixaria com vida. O atoucinhado D. Jos? n?o era animal de cora??o, embora n?o tivesse o requinte de selvageria de Pombal. Mandaria fuzilar os fidalgos ou garrotal-os, e enforcar os do povo. E, fa?amos-lhe esta justi?a, elle n?o faria morrer a velha marqueza. Condemnal-a-ia a pris?o perpetua. O marquez, inabalavel na sua porca vingan?a, induzia o animo amedrontado do covard?o a n?o empregar a minima indulgencia. E depois como elle punha e dispunha de tudo, a vontade do rei, quando se n?o tornava imperiosa e rude, era para elle cousa secundaria.

Entregues ? vingan?a do ministro ninguem, no emtanto, tinha direito de esperar tanta barbaridade. O Sebasti?o Jos? inventa para matar os Tavoras os mais medonhos tormentos de que n?o ha exemplo na historia; confisca-lhes os bens; arraza-lhes as casas; prohibe que qualquer pessoa, sob pena de confisca??o de todos os bens, use do appellido de Tavora, e, passados nove annos sobre esta inesquecivel tragedia, casa o seu segundo filho Jos? de Carvalho e Mello com D. Francisca de Tavora e Lorena, sobrinha e prima dos sentenciados de Belem e filha de Nuno Gaspar de Tavora e Lorena!

Quando se prenderam os suppostos conspiradores, foram encarcerados no forte da Junqueira os jesuitas Jo?o de Mattos, Jacintho da Costa, Jos? d'Oliveira, Jo?o Alexandre, Jos? Moreira, Pedro Homem, Timotheo d'Oliveira, Francisco Duarte e Gabriel Malagrida.

<>

N?o est?o m?s fraquezas! Por estas e outras fraquezas pagaram os Tavoras, o Malagrida, o Pelle, os jesuitas, os encarcerados nas medonhas masmorras, os roubados, os despojados, e, finalmente, aquelles que este livre pensador, para acabar com elles mais summariamente, entregava ao Santo Officio!

Assim succedeu ao padre Gabriel Malagrida. Malagrida era um velho septagenario a quem o sublime histerismo christ?o fazia venerado de todos. Os devotos consideravam-n'o santo e procuravam-n'o com insistencia; os dignos respeitavam-n'o. O marquez de Pombal, como n?o era nem devoto, nem digno, e como o odiava, prometteu perdel-o.

Todos os que se aproximavam de Malagrida, depois da sua vinda do Brazil, onde o irm?o de Sebasti?o Jos? lhe n?o tinha querido fazer umas concess?es justas para a sua Ordem, notavam-lhe o exaltado mysticismo, aggravado por uma mania prophetica. Era como que o prologo d'uma loucura mansa.

Accusava-se o padre de heresiarcha como Jo?o Huss, como Savonarola, como Calvino; e, depois de um extenso rol de perfidias fortuitas, inventadas pela corja do ministro, condemnavam-n'o a ser garrotado e queimado.

Antes d'isso, convem advertir que a Companhia dos vinhos, que alguns Plutarchos de Sebasti?o de Carvalho consider?ram como um acto providencial que salvou do descredito os vinhos portuguezes e augmentou a exporta??o , n?o foi mais do que um monopolio infame, tendente a proteger aquelles que o Sebasti?o queria, contrario a todas as leis de liberdade do commercio e de economia, absurdo, tolo, e, sobretudo, inutil.

A Companhia tinha o privilegio de vender vinho em tres leguas de redor da cidade em 1760 em quarto; tinha o exclusivismo do fabrico da aguardente no Minho, em Traz-os-Montes, na Beira. Os proprietarios, como eram contrarios ? Companhia, s? podiam vender uma certa quantidade de vinho, fixada pela Companhia, e eram obrigados, sob penas graves, a declarar a quem o vendiam. Immortal legislador! Era d'esta e d'outras maneiras que este grande liberal impulsionava o commercio e a agricultura.

Ainda ha mais uma s?rie de medidas que s?o o complemento d'este amontoado de desconchavos, de tolices e de privilegios.

Os amotinados de 23 de fevereiro entr?ram nos escriptorios da Companhia dos vinhos, quebr?ram os moveis e queim?ram os papeis.

Eu n?o quero cr?r que operasse n'estas creaturas o espirito liberal e revolucionario, mas sim, como o d? a entender o grande escriptor citado, vestigios das bebedeiras de ter?a-feira de entrudo.

Sebasti?o Jos? de Carvalho, esse illuminado, viu na revolta dos bebados um attentado contra a pessoa do rei, um crime de lesa-magestade, um protesto contra os irrevogaveis decretos do seu real amo. Que malandro! O real amo de Sebasti?o de Carvalho era elle mesmo. O cynico considerava-se mais rei do que o proprio rei, e quando via indisciplinas contra os seus decretos, punia-as como crimes de lesa-magestade. Assim bem podia o escrupuloso desembargador Jo?o Pacheco Pereira de Vasconcellos escrever-lhe do Porto notificando-lhe o escrupulo de condemnar os infelizes como reus de crime de lesa-magestade; bem podia o fraco e respeitavel homem querer induzir um pouco ? piedade o reles selvagem. Tudo foi inutil. O processo durou cinco longos mezes, longos para Sebasti?o de Carvalho, que de Lisboa n?o fazia sen?o mandal-o abreviar summariamente. Elle anciava que se soubesse, que morria gente enforcada por sua causa. O mostrengo bem sabia que viriam historiadores que depois escreveriam: <>

Finalmente--rejubilou Sebasti?o!--a 11 de outubro foi proferida a senten?a condemnando ? forca 21 homens e 5 mulheres; ? pena de a?oites e confisca??o de metade dos bens 26 homens; ? pena de a?oites, confisca??o de metade dos bens e degredo para Africa 8 homens e 9 mulheres, e uma outra infinidade de penas um pouco menores.

No dia 14 sahiram a morrer na forca treze homens e quatro mulheres. Uma escapou da forca, por causa da gravidez. A somma total dos condemnados ?s diversas penas ? de 237.

E os vinhos nem por isso se vendiam mais. Historiadores affectos ao marquez, n?o occultam a revolta de semelhantes iniquidades, e n?o deixam de confessar a completa inutilidade que a Companhia trouxe ao commercio e ? exporta??o.

T?m-se publicado listas, mais ou menos exactas, sobre o numero de pipas exportadas antes e depois do monopolio. Ahi vai uma, inteiramente in?dita, ao mesmo tempo imparcial, visto que ? copiada dos manuscriptos adquiridos, no anno de 1889, ? casa Pombal pela bibliotheca publica de Lisboa. O numero d'estas pipas ? exportado para os commissarios inglezes. Eis a lista, nos sete annos anteriores ao monopolio:

Annos ... Pipas

Somma ... 107:013

Nos sete annos depois do monopolio:

Annos ... Pipas

Somma ... 107:095

Alguns historiadores, entre elles o snr. Pinheiro Chagas, afian?am com uma ingenuidade indesculpavel que Sebasti?o de Carvalho, indignado com o procedimento do escriv?o da al?ada, Jos? de Mascarenhas, filho de Jo?o Mascarenhas Pacheco, o bom e fraco homem, e n?o podendo punil-o n'essa occasi?o sem comprometter-se, deu-lhe uma commiss?o no Brazil, como desterro simulado, reservando-se para mais tarde o prender, o que fez com effeito em 1758. Sebasti?o Jos? de Carvalho indignado com um sujeito por supp?r que elle levava o zelo e a emula??o a ponto de querer igualal-o! Se isto n?o ? para fazer rir. Dir-se-ia que o ministro n?o queria rivaes n'uma qualidade em que elle realmente n?o os tinha. Mas Jos? de Mascarenhas estava longe de aspirar a semelhante rivalidade. Elle era um pouco menos fraco do que o pai, mas foi sempre durante o processo o fiel e talvez o brando executor das ordens tremendas do ministro.

Os historiadores que imaginam que um sujeito, que servia sob as ordens de Carvalho, podesse metter <>, s?o muito ingenuos e muito ignorantes. As ordens do ministro eram formaes: <>.

O ministro por essa ?poca j? come?ava a ter jesuitas a cavallo no seu porquissimo nariz--immundo e purguento deposito de rap? e de ranho.

Accusou os jesuitas de terem incitado o povo ? revolta fazendo-lhe supp?r <>.

Os jesuitas nunca poderiam dizer tal coisa, porque, segundo o costume de todas as ordens religiosas, usavam nas missas vinho preparado por elles.

Appello para o testemunho de todos os padres pertencentes a ordens religiosas. E se os jesuitas dissessem o que o Sebasti?o lhes attribuiu, n?o mentiriam. A Egreja ordena, sob pena de inutilidade do sacrificio, que o vinho, que o padre tem de benzer, seja natural, puro, sem mistura alguma. Ou pelo menos o padre deve ter a consciencia de que o ?. Os jesuitas e os padres d'aquelle tempo n?o podiam ter a consciencia d'isso, porque sabiam que o vinho da Companhia era falsificado com misturas reles.

Burguezes que l?m as declama??es de historiadores mellifluos, acreditam ingenuamente que foi Pombal e a sua energia quem reedificou a capital, depois do terremoto de 1 de novembro de 1755.

Em Portugal quantos terremotos n?o houve antes do de 1755? E medonhos e terriveis. E as cidades reedific?vam-se, sem que o nome dos ministros de ent?o fosse sequer citado. N'uma miscellanea de manuscriptos que possuo, descreve-se um terremoto na ilha Terceira em 1614, maio, succedido <>. Abriu-se a terra, sumiram-se casas, cresceu o mar, morreram mil e mil almas sepultadas nas ruinas e sumidas pelas voragens, eis o que diz a narra??o.

Carvalho fez o que qualquer faria. Os architectos dos Arcos das Aguas-Livres e do palacio de Mafra n?o seriam mais do que competentes para construirem os pared?es funebres e alinhados da rua do Ouro, da rua Augusta e rua da Prata?

O que pertence ao marquez--e traz o cunho indelevel d'esta individualidade--s?o os avisos mandados expedir depois do terremoto. Isto sim, ? original d'elle. Mandava que se prendessem todas as pessoas suspeitas, que se enforcassem os ladr?es e os que fossem encontrados com quantias superiores, e lhes expuzessem os cadaveres na forca durante tres dias. Ordem providencial e hygienica! Tambem lhe cabem as honras do monopolio da escravatura branca que elle empregava mandando trabalhar nas obras da cidade bandos de operarios com fome, chicoteados e mal remunerados.

Tudo isto ? d'elle; e, se os democratas que hoje applaudem o ridiculo despota, soubessem as ignominias, a fome e os rebaixamentos soffridos pelo povo durante o reinado do idolo, talvez esfriassem o enthusiasmo com que ha sete annos lhe celebraram o centenario.

Porque--que isto se saiba!--quando este homem se retirou do poder deixando o erario cheio de milh?es, o povo e o exercito soffria fome!

Quando Sebasti?o de Carvalho come?ou o ajuste de contas com os jesuitas, j? as c?rtes da Europa mostravam descontentamento a esta Ordem, a mais zelosa, a mais pugnadora pelos interesses da Egreja.

A guerra contra elles foi t?o iniqua e t?o tola que at? os seus inimigos--at? Voltaire!--protest?ram contra ella.

D'Alembert dizia:

<> Etc. etc.

Sejamos logicos: negar que os jesuitas prest?vam innumeros servi?os ? Egreja ? parvoice. Se prestavam servi?os, porque ? que a Egreja os supprimia? Quem n?o v? aqui o grande erro e o grande crime de Ganganelli, o cardeal que obteve a tiara com a expressa condi??o de supprimir a Ordem.

Julgo que este ultimo facto foi o que denunciou abertamente a D. Jos? o empalmador de documentos. Pois que passado tempo, quando o marquez ia a entrar na camara em que jazia o rei enfermo, este apontou-lhe a porta disparando sobre elle um olhar carregado e colerico.

O pobre D. Jos? com o horror religioso que os antigos cortez?os lhe influenci?ram, possuiu-se de um justo remorso pelos crimes commettidos de connivencia com o asqueroso mostrengo que fizera seu primeiro ministro. Uma tardia bonacheirice, onde havia um pouco de energia, de odio, de piedade e de gratid?o para com o companheiro repulsivo dos seus crimes, evitou que o rei punisse com severidade o aventureiro desprezivel--e j? desprezado!

A c?rte, sabedora da repuls?o do rei pelo grande e ridiculo criminoso, come?ou a fazer a Sebasti?o toda a qualidade de desfeitas, sendo um dos maiores desfeiteadores o cardeal Cunha--um antigo amigo do marquez. Bom homem!

D. Jos?--o gordo--morreu no palacio da Ajuda em 24 de fevereiro de 1777. A 4 de mar?o de 1777, dia seguinte ao de um decreto da rainha D. Maria I que exilava o ex-ministro amavelmente para Pombal e lhe fazia merc? da commenda de S. Thiago e da Ordem de Christo, partiu o marquez para a villa do titulo. No largo do Convento de Belem foi apedrejada pelo povo a carruagem em que ia. D. Maria I resolv?ra deixar em socego Sebasti?o de Carvalho. Mas elle, que n?o comprehendeu isso, publicou a apologia dos seus actos n'um idiotissimo volume provocador em que se p?de, como amostra, avaliar a mesquinhez do seu talento de politico e de escriptor.

D. Maria I, instigada com raz?o pelos escandalisados, mandou a Pombal os desembargadores Jos? Luiz da Fran?a e Bruno Manoel Monteiro da Rocha interrogar o marquez. D'estes interrogatorios resultou um decreto em que se dizia que o marquez, arrependido de tudo, pedira perd?o; pelo que havia por bem a rainha perdoar-lhe, attenta a avan?ada idade e grandes enfermidades, os castigos corporaes que elle merecia. O decreto tem data de 16 d'agosto de 1781. O marquez de Pombal, de joelhos, pedindo perd?o! O velho tigre, desdentado para morder, lambia, encolhendo as garras--porque j? n?o podia arranhar.

Abandonado n'um exilio nem sequer mitigado pelas considera??es e pelos respeitos que n?o recebia, este velho--velho como a estupida maldade do seculo em que viveu--era o espantalho sinistro do seu passado terrorista. Espantalho que n?o espantava sen?o moralmente, pois que era o espectro vivo d'um monstro amortalhado no sudario de infamias, parecia que o remorso amarr?va ? sua columna de fogo este cadaverico que durante o seu reinado de sangue e de lama n?o perdo?ra nunca--e f?ra perdoado!

? provavel que algumas das suas victimas se compadecessem d'elle. Os jesuitas, as victimas do seu odio jacobino, quando entr?ram em Portugal, recolheram-lhe piedosamente os ossos espalhados pelo ch?o da capella nos despojos da invas?o franceza.

Parece impossivel que algum historiador se n?o tenha lembrado de dizer que o marquez teria estremecido no tumulo. Qual estremeceu! A poeira ficou piedosamente collocada na urna e a que se misturou com o lixo do ch?o foi varrida para a rua. N?o houve estremecimentos.

FIM.

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